terça-feira, 25 de setembro de 2007

Os Boxers de Maranello

No final da década de 60, um motor V12 era algo tão essencial a uma Ferrari quanto o próprio "cavalinho empinado" no emblema da marca fundada em 1947 pelo comendador Enzo. O único carro por ela fabricado com um V6, a Dino, sequer era considerado uma Ferrari pelos puristas. Mas as coisas começaram a mudar por causa de Mauro Forghieri, um dos mais competentes engenheiros da empresa.
Forghieri levou a Ferrari a desenvolver um motor boxer de 12 cilindros para competições. Uma medida acertada: nos anos 70 a Ferrari acumularia quatro títulos do Campeonato Mundial de Pilotos e quatro de Construtores na Fórmula 1. Longe de ser uma inovação, já que a Volkswagen, a Porsche e as motocicletas BMW o utilizavam há decênios, o boxer exibia como vantagem básica abaixar o centro de gravidade do carro. Curiosamente, a Ferrari chamava o motor de V12 a 180° - tecnicamente correto, porém estranho, pois desaparecia a figura da letra V ao se olhar o motor de frente.


Em Maranello as soluções desenvolvidas para as pistas não costumam demorar a chegar às ruas. Os benefícios do boxer levaram à definição de seu uso no sucessor da 365 GTB/4 "Daytona". Em vez do V12 dianteiro, haveria agora um motor de 12 cilindros horizontais opostos, montado entre-eixos, posição que se esperava ver em uma Ferrari desde 1966, quando o fabricante de tratores Ferruccio Lamborghini apresentara o inovador Miura.

Embora inevitável, a comparação com o Lambo era o que a Ferrari menos desejava. Como o Miura tinha seu motor central em posição transversal (assim como a Dino), havia uma forte pressão em Maranello para se optasse pela montagem longitudinal. Isso traria um efeito colateral positivo: menor nível de ruído interno, já que o motor como um todo ficaria mais afastado do habitáculo. Com essa decisão em mente, um carro-conceito foi elaborado para o Salão de Turim, na Itália, de 1971.

Com um entre-eixos de apenas 2,49 metros – entre um Miura e um Chevrolet Corvette, modelos que Enzo desdenhava, mas sabia serem concorrentes -, foi um desafio para os engenheiros da marca fazer caber o enorme boxer sem comprometer a acomodação do motorista e um passageiro, esta uma exigência do comendador. O estúdio Pininfarina já havia desenhado um modelo com banco único central, solução que facilitaria as coisas, mas Enzo Ferrari, um purista, não admitia essa opção.

Em busca de soluções, a Ferrari cogitou de montar o 12 cilindros por cima do transeixo de cinco marchas. Embora pareça absurda, pois um elemento pesado como o motor deve ficar sempre o mais baixo possível para não elevar o centro de gravidade, a idéia se tornava aceitável em vista da pequena altura do boxer. Um sistema de correntes – montado atrás do motor, assim como a embreagem – era necessário para transmitir o torque ao transeixo.

A Berlinetta Boxer nas ruas Colocada no mercado apenas em 1973, seu nome foi definido como 365 GT4 BB. O primeiro número representava a cilindrada unitária, 365cm3 (a mesma lógica seria aplicada, nos anos 90, na 456 GT, com um V12 de 5,5 litros); GT era naturalmente Gran Turismo; 4, o número de árvores do comando de válvulas; e BB, a sigla de Berlinetta Boxer, nome com o qual ficaria mais conhecido. Berlinetta (pequeno sedã; berlina é sedã) é como os italianos chamam seus cupês de dois lugares, enquanto boxer foi explicado acima.
À parte a disposição dos cilindros, não havia muito de especial no propulsor. Como outros supercarros da época, trazia duplo comando de válvulas nos cabeçotes (mas acionados a correia dentada e não a corrente, como no V12 da "Daytona") e quatro carburadores Weber (40 de corpo triplo). O bloco era fabricado em Silumin, uma liga de alumínio, e curiosamente não se adotara lubrificação com
cárter seco como no V12.

Os pistões e bielas eram os mesmos de sua antecessora, assim como os 4.390 cm3 de cilindrada. Em relação a ela, a potência subia ligeiramente, de 357 para 365 cv, e era atingida -- assim como o torque máximo de 43 m.kgf - a um regime inferior, tornando a "BB" mais fácil e agradável de dirigir. Essa escolha foi tomada durante o desenvolvimento do motor, já que o primeiro protótipo havia chegado a 385 cv de potência e a uma velocidade máxima de 302 km/h. Já a versão de produção, embora com desempenho entre os melhores da época, não superava 280 km/h. A aceleração de 0 a 100 km/h era feita em 5,3 s, segundo o fabricante, mas testes da imprensa apontavam um tempo acima de 7 s, diferença atribuída a uma embreagem incapaz de lidar com o torque disponível. Não raro as tentativas eram seguidas de forte cheiro de embreagem superaquecida.


O restante do conjunto mecânico seguia tradições da Ferrari. O chassi tubular de aço utilizava tubos de seção circular ou retangular, de acordo com o local, e subchassis à frente e atrás, onde eram montados o trem-de-força e as suspensões. A carroceria mesclava elementos de aço galvanizado e de alumínio, muitas vezes em um "sanduíche" de plástico reforçado com fibra-de-vidro, para proteção anticorrosiva. Os capôs dianteiro e traseiro abriam-se em sentidos inversos e levavam junto os pára-lamas, para fácil acesso à mecânica.

A suspensão, de braços sobrepostos em ambos os eixos, adotava duas molas e dois amortecedores para cada roda traseira – uma receita tão bem-sucedida na Boxer que seria adaptada a diversas Ferrari posteriores em competição. O grande motor naturalmente excedia a linha do eixo traseiro, mas o centro de gravidade permanecia entre os eixos, como se desejava, e a distribuição de peso estava próxima ao ideal: 47% à frente, 53% na traseira.
Os freios dispunham de quatro discos ventilados e a direção, sem assistência, era de pinhão e cremalheira. As rodas de alumínio que se tornariam características da marca, com cinco raios em estrela e um cubo que simulava o sistema de fixação central das pistas, ainda eram novidade na época. Com tudo isso, o comportamento dinâmico permitia usufruir o potente 12-cilindros sem surpresas, uma das diretrizes da marca para esse carro.
Luxo e conforto A 365 GT4 BB não era apenas rápida. Em que pese o ínfimo espaço para bagagem, o interior oferecia requinte e conforto que não se viam em muitos supercarros, com ar-condicionado e controle elétrico dos vidros de série e opção de revestimento dos bancos em couro. As janelas amplas e a solução encontrada para o vidro traseiro -- pequeno e vertical, em vez de acompanhar a silhueta quase horizontal das laterais -- favoreciam a visibilidade. O volante era o tradicional Momo de três raios metálicos.


Os bancos tinham amplos apoios laterais e para as coxas, mas seu único ajuste era longitudinal e não havia regulagem do volante ou dos pedais. Portanto, ou o motorista se adaptava ao biótipo italiano, de braços longos, ou não teria uma posição confortável. Como vantagem sobre a "Daytona", a ausência de túnel central de transmissão possibilitava um console estreito e baixo, no qual não poderia faltar a lendária chapa-guia da alavanca de câmbio.
Tudo isso em um envelope sedutor: Pininfarina estava com rara inspiração ao desenhar esse clássico, que transmitia aerodinâmica e agressividade com seu perfil baixo e alongado - características acentuadas pelo emprego da cor preta no segmento inferior de toda a carroceria. O balanço traseiro era bastante curto, o dianteiro muito longo. Enquanto a traseira lembrava o Dino, a frente parece inspirada no conceito 250 P6.


Ao contrário de sua antecessora, as linhas retas predominavam e os faróis eram escamoteáveis. Comparado a ela, a Berlinetta Boxer era 6 cm mais curto e 13 cm mais baixa. Na traseira as lanternas -- redondas, claro -- e saídas de escapamento eram seis, em vez das quatro da BB conceitual de 1971. E, para evitar que tomadas de ar poluíssem o desenho, dutos foram aplicados ao capô traseiro para levar ar aos carburadores (o radiador ficava na frente e recebia ar pela grade frontal).


Maior cilindrada A Berlinetta Boxer permaneceu imutável durante seis anos até que, em 1976, a Ferrari exibia sua evolução. Em vez do ganho em desempenho absoluto, sempre esperado de um supercarro, a ênfase estava no torque em baixa rotação: apesar da cilindrada de 4.942 cm3 e da maior taxa de compressão, a potência decrescia para 345 cv. Em contrapartida, o torque máximo passava de 43 para 45,7 m.kgf a um menor regime de giros. A lubrificação utilizava cárter seco e a embreagem ganhava duplo disco, o que aliviava o peso do pedal.
A denominação 365 não mais era adequada, mas a Ferrari não optou pela nova cilindrada unitária (411,8 cm3): preferiu unir o cinco, dos litros de deslocamento total, ao 12 dos cilindros, batizando-o 512 BB. A regra, neste caso, era a mesma que se aplicaria mais tarde aos 308, 328 e 348, modelos de 3,0 a 3,4 litros e oito cilindros.


Externamente o carro era o mesmo, a não ser por detalhes como as tomadas de ar tipo NACA (retraídas, de origem aeronáutica) nos pára-lamas traseiros, à frente das rodas, para arrefecer os freios, e apenas quatro lanternas e saídas de escapamento. Em vista da nova distribuição de peso, agora com 60% na traseira, trazia suspensões recalibradas, bitola posterior 43 mm maior e pneus e rodas mais largos nesse eixo. Nova evolução ocorria em 1981, época em que as normas de controle de emissões poluentes na Europa começavam a amordaçar os motores esportivos. A 512 BB passava a BBi, indicando a adoção da injeção mecânica Bosch K-Jetronic, que permitia manter os 345 cv e ganhar ligeiramente em torque, chegando a 46 m.kgf. Os pneus traseiros podiam vir ainda mais largos, com 240 mm de seção, e havia requintes nada usuais em uma Ferrari, como sistema de áudio com equalizador gráfico.


Sua produção era encerrada após três anos, quando o envelhecido projeto básico cedia lugar a Testarossa, uma nova Ferrari de 12 cilindros opostos. A BBi foi a mais vendida dos três, superando 1.000 unidades, enquanto a 512 BB ficou pouco abaixo e o pioneiro 365 GT4 BB não chegou a 400 exemplares.


Uma das curiosidades envolvendo a série Berlinetta Boxer é que nenhuma delas foi oficialmente vendida nos Estados Unidos, apesar da importância desse mercado para um fabricante de supercarros. Enzo Ferrari, do alto de sua suposta superioridade, entendia que as normas de controle de emissões poluentes norte-americanas não deveriam influir no desempenho de seus automóveis, até mesmo pelos baixíssimos limites de velocidade vigentes no país. No entanto, muitos deles foram importados para a América por empresas independentes.


Fonte: http://www.bestcars.com.br/

sábado, 8 de setembro de 2007

História: Enzo Ferrari e Seus Engenheiros

Enzo Ferrari viveu para vencer. Seja como um piloto ou um chefe de equipe, sucesso e vitórias foram suas únicas metas, e seus carros de corrida foram resultados de uma vida de muita pesquisa. Conta Giovanni Lurani Cernuschi, um jornalista que foi amigo de Ferrari por sessenta anos, escreveu após sua morte que, Ferrari, um motivador de homens e idéias, “estava sempre na pole position”.



As Ferrari tem tecido sua própria magia no mundo das corridas, capturando as emoções de todos aqueles para quem as corridas são uma paixão.
Em 1946 foi visto o primeiro motor V12 de 2.0 litros a ostentar o nome Ferrari. Com o design de Gioacchino Colombo, que tinha trabalhado anteriormente para a Alfa Romeo, a barchetta foi chamada de 125 Sport; 125, designando o deslocamento de cada cilindro. Isto se converteu numa configuração que ficou marcada como a identidade da marca na história, e simbolizou a simplicidade peculiar de Enzo Ferrari, inspirando o próprio Ferrari a declarar seu amor pelo “Som dos Doze”.

Deste momento em diante, Ferrari, como um construtor – contudo, não um engenheiro – focou o motor como principal prioridade, o chassi sempre veio como segunda.
Retirando-se da Alfa Romeo como Diretor Esportivo em 1939 por diversas razões, principalmente pelo seu desrespeito pelo engenheiro da Alfa o espanhol Wilfredo Ricart, Ferrari formou seu próprio time de corrida - Auto Avio Costruzioni. Duas , Spiders de turismo, chamadas 815, foram construídas e participaram das Migle Miglia de 1940. Tendo sido auxiliado pelos técnicos da Shell durante sua temporada na Alfa, Ferrari recorreu a eles novamente. “Stefano Tomasio da Shell Italia…trabalhou junto conosco para nos auxiliar a resolver numerosos problemas relacionados com nosso uso de lubrificantes ou combustíveis,” escreveu Enzo Ferrari. “A Shell sempre nos certificou da suprema importância das experiências de corrida e nos capacitou a alcançar resultados memoráveis.”

Entretanto a maior vitória veio em 14 de julho de 1951, quando a Shell lubrificou e abasteceu a Ferrari 375 F1, desenhada por Aurelio Lampredi , venceu o Grande Prêmio Britânico em SilverStone nas mãos do Touro dos Pampas, Froilan Gonzalez. Vencendo a prevista invencibilidade da Alfetta 159s, Ferrari emocionado declarou: “eu matei minha própria mãe.” Ironicamente as Alfettas, equipadas com motores de 1,5 litros supercharger, foram desenvolvidas pelo próprio Lampredi quando ele ainda estava na Alfa.
Lampredi deu aos motores Ferrari um refinamento mecânico que foi imbatível na sua classe. Ele posteriormente foi o criador dos motores de quatro e seis cilindros, que mantiveram a marca altamente competitiva pelos anos seguintes; seu F2 de 4 cilindros e 2 litros dominou os campeonatos mundiais de 1952 1953, todo o tempo eles confiaram aos técnicos da Shell a qualidade superior dos lubrificantes e combustíveis. Lampredi foi finalmente sucedido por Carlo Chiti que entrou na Ferrari em 1957.

Foi o projeto de Chiti que ajudou a trazer a coroa do campeonato mundial de volta a Maranello pelas mãos de Mike Hawthorn em 1958. Chiti também foi o responsável pela criação das primeiras Ferrari de corrida com motor traseiro, o que obteve maior sucesso foi o Nariz de Tubarão 156 motorizado por um V6 de 1,5 litros. O carro dominou a temporada de 1961,obtendo a coroa do campeonato mundial, desta vez com Phill Hill ao Volante. Mais uma vez, Ferrari incumbiu a Shell da lubrificação e abastecimento dos carros.
Em 1962 Chiti deixou a Ferrari, e os anos 60 viram a emergência de outro talentoso designer; Mauro Forghieri foi um líder natural, e juntamente com o especialista em motores, Franco Rocchi, ajudou a Ferrari a voltar para a galeria dos vencedores com seus 12 horizontais (Boxer) 312T e liderou a marca nos tempos modernos.

Realista por natureza, Enzo Ferrari também teve um período de fatalismo correndo através de suas soberanas veias, e freqüentemente sofria de surtos de melancolia, reclamando: “Eu me sinto perdido e sujeito aos caprichos do destino.” ("I feel lost and subject to the whim of destiny.")
De fato, o destino gravou permanentemente seu nome nas muitas fábricas de corridas de Grande Prêmio; (destiny has seen his name permanently etched into the very fabric of Grand Prix racing) e junto com o emotivo emblema do cavalo empinado no nariz dos seus carros de Fórmula 1, veio a simbolizar a excelência tecnológica, força e sucesso entrelaçado numa vivo e incomparável herança.

Delfino